Inclusão: A Jornada Inspiradora de Juan Mathews na Cibersegurança
A pessoa com deficiência visual na área de cibersegurança
Será interessante informar ao pessoal que enxerga,
que é possível pessoas com deficiência entrarem na área Cyber!
(Juan Mathews)
Apresentação
É com grande entusiasmo que apresentamos Juan Mathews Rebello Santos, um verdadeiro exemplo de superação e excelência no campo da cibersegurança! Juan é a primeira pessoa com deficiência visual a atuar como Analista de Help Desk na Metadados, destacando-se em áreas cruciais como Segurança da Informação, Blue Team, Threat Intelligence, e muito mais. Com mais de uma década de experiência em informática e uma paixão inabalável pela tecnologia, Juan acumulou um vasto conhecimento em sistemas operacionais como Windows e Linux, além de dominar o pacote Office e uma série de ferramentas Google e Microsoft.
Entre suas qualificações, Juan é certificado pela Microsoft em SC-900 e AI-900, além de ser um Certified Network Security Practitioner (CNSP). Ele também possui formação acadêmica em Defesa Cibernética pela UniFavip Wyden e em Redes de Sistemas e Telecomunicações pela UFBRA. Sua experiência prática inclui a configuração, manutenção e atualização de servidores, além de uma atuação proativa no monitoramento de redes e resolução de problemas técnicos.
Juan é reconhecido não só por sua capacidade técnica, mas também por sua resiliência, empatia e dedicação ao suporte de alta qualidade, sempre garantindo um atendimento excepcional. É um profissional que, mesmo diante dos desafios da cegueira total (CID 10.4 54.0), demonstra uma capacidade extraordinária de liderar e colaborar em ambientes dinâmicos de TI.
Seu interesse por áreas como Cyber Security, Blue Team, Threat Hunting e o uso de ferramentas como AlienVaultOTX e SIEM faz dele uma figura indispensável no cenário da segurança da informação. Se você busca um profissional que combine competência técnica com uma história inspiradora, Juan Mathews Rebello Santos é a escolha ideal!
Para propostas, entre em contato pelo e-mail: juanmathewsrebellosantos1034@gmail.com.
Introdução
No blog Mafra Security, temos o prazer de apresentar uma entrevista inspiradora com um profissional que é um verdadeiro exemplo de resiliência, competência e paixão pela cibersegurança. Juan Mathews Rebello Santos, um talentoso analista de segurança da informação e especialista em threat intelligence, não deixa que a cegueira total seja um obstáculo em sua jornada. Com mais de uma década de experiência em TI e certificações renomadas, ele vem transformando desafios em oportunidades, provando não haver barreiras onde existe determinação e habilidade.
Nesta conversa, Juan compartilha conhecimentos valiosos sobre sua carreira, as tecnologias que domina, e as estratégias que utiliza para garantir a segurança digital em um mundo ameaçado por ciberataques. Seja você um iniciante na área ou um veterano em busca de novas perspectivas, esta entrevista oferece lições preciosas que podem alavancar sua trajetória na cibersegurança. Prepare-se para ser inspirado e aprender com alguém que personifica a superação e a excelência no setor.
Experiência Profissional e Técnicas
1. Metadados e Help Desk:
MASEC: Olá, Juan! Espero que esteja bem. Diga, como foi o processo de adaptação ao seu cargo atual na Metadados? Quais foram os principais desafios que você enfrentou e como os superou?
Juan: Começarei falando sobre a adaptação. No início, foi bastante difícil, pois a própria Metadados não sabia como trabalhar com uma pessoa com deficiência visual. Então, precisei auxiliá-los, explicando o funcionamento do leitor de tela, um programa presente em várias plataformas, como Android, computador, iPhone e outros sistemas operacionais. Esse programa lê tudo o que você seleciona, toca ou navega usando o teclado, exceto imagens, pois ainda não está nesse nível, embora já existam tecnologias de inteligência artificial que descrevem imagens para pessoas com deficiência visual.
Foi um processo complicado, pois não sabíamos quais ferramentas seriam usadas, e algumas delas talvez não fossem acessíveis ao leitor de tela. A inacessibilidade significa que o leitor de tela não consegue interagir com o software, impossibilitando o seu uso. Por exemplo, muitos softwares desenvolvidos em Delphi 6 são praticamente inacessíveis para mim.
Enfrentei desafios, mas consegui contornar a situação. A empresa utilizava o Automidia, uma ferramenta web para o help desk, que apresentava problemas de acessibilidade, como a falta de rótulos (labels) em alguns itens e imagens que eu precisava testar clicando. Outro desafio foi o uso do TeamViewer, uma ferramenta de controle remoto de computadores. No início, tive que explicar a cada usuário que ativaria um assistente de voz para me ajudar a controlar o computador e corrigir os problemas.
Junto ao RH, desenvolvi um manual de boas práticas para pessoas com deficiência visual, que foi bem aceito. Também organizamos um treinamento focado em deficiência visual, no qual fui o principal host, com mais de 300 participantes. O treinamento foi um sucesso, e agora as pessoas descrevem imagens quando abrem um chamado, o que facilitou muito o trabalho.
Hoje, já consigo desempenhar minhas funções de forma autônoma e independente. Claro, há algumas limitações, especialmente com softwares próprios da empresa que foram desenvolvidos em linguagens mais antigas que o leitor de tela, como o NVDA (NonVisual Desktop Access), que só surgiu entre 2007 e 2008. Esses softwares mais antigos não são compatíveis com o leitor de tela, então não consigo atender chamados relacionados a eles. Porém, no geral, tenho conseguido me adaptar bem e já fechei mais de 30 chamados (embora o número total seja maior, talvez mais de 50).
Depois do terceiro mês, a adaptação ficou muito mais tranquila. Hoje, consigo realizar minhas funções com facilidade, contando sempre com o apoio do gestor e da equipe quando necessário. Eles também têm sido muito colaborativos ao descrever imagens, o que ajuda bastante no meu trabalho. Preparo máquinas, adiciono usuários, instalo ferramentas e faço a maioria das atividades com a equipe. O tratamento é de igual para igual, e a adaptação agora está 100%. Se houver alguma nova ferramenta que exija adaptações, estaremos prontos para resolver, mas atualmente estou completamente adaptado à empresa.
MASEC: Excelente, Juan… Pode descrever um exemplo recente em que você colaborou com sua equipe para resolver um problema crítico ou alcançar uma meta importante?
Juan: Bem, eu ajudei a solucionar dois problemas críticos de segurança. Não temos metas trimestrais importantes para bater, e, se houver alguma meta muito relevante, não costuma ser da equipe de infraestrutura, da qual faço parte. Entretanto, uma métrica importante para nós é a nota de atendimento. Em um único dia, consegui fechar mais de 15 chamados, o que contribuiu para elevar nossa nota de 4,95 para 5. Acredito que minha atuação foi um divisor de águas nesse aspecto, e as reuniões de Scrum foram fundamentais. Outra meta relevante é a de SLA, que mantivemos em 98%, uma excelente marca.
Agora, sobre os problemas críticos. O primeiro foi relacionado à segurança da empresa, mais especificamente ao antivírus CrowdStrike (não me refiro ao apagão global cibernético). Algumas máquinas estavam sem o CrowdStrike e a solução remota da empresa, o que representava um problema crítico de segurança (nível A). Precisávamos resolver isso com urgência. Então, desenvolvemos uma tabela com os nomes de todos os usuários e máquinas. Elaborei um guia passo a passo para ensinar os usuários a instalar a ferramenta, começando pelo acesso à VPN, criação de uma pasta no Explorador de Arquivos do Windows e, em seguida, executando o instalador. Esse guia foi um sucesso. Compartilhei com os usuários que ainda não tinham recebido as instruções, e conseguimos resolver esse problema por completo, zerando a tabela.
O segundo problema também envolveu o CrowdStrike, mas foi durante um apagão cibernético que impactou a empresa. No início, ficamos “perdidos igual à barata” (risos), mas após uma hora conseguimos organizar a resposta. Notificamos os usuários via Teams e, para quem estava presencialmente na empresa, resolvemos os problemas rapidamente excluindo arquivos no modo de segurança. Para os que estavam trabalhando remotamente, auxiliei diretamente via Teams, orientando-os passo a passo. Consegui resolver o problema a partir do meu computador e ajudei outros que enfrentavam dificuldades. Esse incidente foi crítico, mas conseguimos solucioná-lo em cerca de uma hora.
É importante destacar que a empresa não conta com uma equipe especializada em segurança; a equipe de help desk realiza grande parte dessas tarefas. Na verdade, todas as equipes tiveram que se mobilizar, e acredito que fui uma peça chave para resolver esse incidente.
2. Segurança da Informação
MASEC: No seu dia a dia, como você aplica seus conhecimentos de segurança da informação e threat intelligence? Tem alguma ferramenta ou técnica que você sempre usa e recomenda?
Juan: Então… Na empresa, temos algumas diretrizes de segurança que eu busco seguir ao máximo. Com meu conhecimento em segurança, eu ajudo a equipe a prevenir ataques de phishing e malwares. Quando algum colaborador está utilizando um software inadequado, eu intervenho para resolver a situação. Também lido com chamados relacionados à segurança, juntamente com outros colegas da equipe. Nesses casos, aplico os três primeiros pilares da segurança da informação: confidencialidade, integridade e disponibilidade, para avaliar o chamado e determinar a melhor ação a ser tomada.
Em relação a threat intelligence, no meu trabalho diário eu utilizo o SOC Radar, que me mantém atualizado sobre as ameaças à empresa. Com essa ferramenta, fazemos threat hunting e threat intelligence, monitoramos a dark web e deep web, verificamos a superfície de ataque, portas abertas e dados vazados, entre outras coisas.
MASEC: Quais ferramentas e técnicas você considera essenciais para a caça de ameaças e o monitoramento de segurança?
Juan: Em termos de ferramentas, eu gosto de usar o SOC Radar para monitoramento do SOC da empresa. Também utilizo o AlienVault para monitoramento de ameaças, como IPs, DNS, domínios, malwares e trojans. Estou constantemente escaneando os endpoints para identificar indicadores de comprometimento (IOCs) e mitigar falhas de segurança. Uso o antivírus da CrowdStrike, que faz varreduras automáticas, sempre quando há um novo arquivo, mas também realizo varreduras manuais para obter mais detalhes.
Já utilizei o Elastic para monitoramento de logs e operações de segurança, e também gosto de usar o Splunk. Para o sistema de gerenciamento de eventos e informações de segurança (SIEM), utilizo o Wazuh, que acho o mais acessível, pois está em português do Brasil. Embora algumas partes ainda não estejam totalmente traduzidas, já facilita bastante.
Sobre as técnicas em segurança da informação, utilizo honeypots para coletar estatísticas e identificar novos tipos de golpes, o que me mantém atualizado sobre as ameaças mais recentes. Tenho honeypots no Facebook, LinkedIn e GitHub. Também utilizo frameworks como as normas ISO 27001 e 27002 para políticas de segurança, além dos frameworks MIST e MITRE ATT&CK para mapeamento correto de ataques.
Vale destacar que todas essas ferramentas e técnicas são acessíveis para quem usa leitor de tela. Ocasionalmente, encontramos alguns diagramas, mas utilizamos a função de descrição do software para acessá-los.
3. Certificações e Educação
MASEC: Juan, eu vejo que você tem várias certificações, como Microsoft SC-900 e CNSP. Como essas certificações impactaram sua forma de trabalhar na área de cibersegurança e redes?
Juan: Desde que comecei a buscar essas certificações, precisei estudar muito. Acredito que, mesmo antes de obtê-las, já consegui adquirir um bom conhecimento. Com elas, consegui não só passar nos exames, mas também aplicar o que aprendi na prática. Acho que essas certificações vão me ajudar a conseguir um novo emprego, se for necessário, mas também me deram a habilidade de trabalhar com redes de computadores de forma mais avançada, técnica e prática. Afinal, não é só a teoria que conta, a prática também é fundamental.
No que diz respeito à SC-900, por exemplo, sinto-me mais capacitado para gerenciar ambientes em nuvem, principalmente no Azure, mas o conceito é muito parecido em outras plataformas, como AWS e GCP. A SC-900 também me ajudou a entender melhor como funciona a inteligência artificial, tanto em nuvem quanto em outras aplicações.
MASEC: Em sua formação acadêmica na UniFavip Wyden e UFBRA, quais disciplinas ou projetos mais contribuíram para o seu desenvolvimento profissional?
Juan: Acredito que a disciplina de segurança em nuvem foi essencial, pois me ensinou sobre nuvens híbridas, on-premise e diferentes plataformas, como Azure, AWS e GCP. O Google Cloud despertou meu interesse por nuvem. Disciplinas como Threat Intelligence e OSINT foram fundamentais para minha escolha de carreira. Hoje, meu foco é trabalhar na área de Cyber Threat Intelligence (CTI), e esses estudos contribuíram muito para minha decisão.
4. Tecnologias e Ferramentas
MASEC: Quais são as suas ferramentas preferidas para análise de ameaças cibernéticas e por quê?
Juan: Gosto muito de usar o VirusTotal, porque ele fornece um ótimo parâmetro sobre se um aplicativo é malicioso ou não, sem que eu precise fazer uma análise manual e dinâmica ou estática de malware. O VirusTotal faz essas análises de forma automatizada, o que é muito útil em investigações.
Também uso a Bridge Sandbox, que realiza tanto análises estáticas quanto dinâmicas, mostrando tudo, desde bytes e bits calculados até funções carregadas na memória. Isso nos dá um parâmetro claro para a análise. Novamente, isso não invalida a análise estática ou dinâmica de malware manual, mas também ajuda muito. É melhor que fazer tudo manualmente. Gosto muito do AlienVault, que me ajuda a monitorar indicadores de comprometimento e a mapear endpoints, mantendo-me atualizado sobre novas ameaças.
Outro que considero essencial é o Metasploit Framework, pois ele me mantém informado sobre novos exploits e vulnerabilidades. E sobre o GitHub? Embora eu não o considere uma ferramenta específica de análise de ameaças, ele é extremamente útil, pois lá você encontra guias para corrigir vulnerabilidades e informações sobre novas falhas de segurança.
Por fim, é importante mencionar o Google. Sempre pesquiso novas vulnerabilidades e mantenho-me atualizado sobre as novidades no mundo da segurança da informação. Nesse campo, é essencial estar sempre por dentro de novas ferramentas, técnicas e frameworks.
MASEC: E sobre Python, como você o utiliza para desenvolver soluções em segurança da informação?
Juan: Bem, eu utilizo Python para mapear superfície de ataque. Não sou um PenTester profissional, e nem gosto muito de PenTest. Prefiro trabalhar com Blue Team, focado em defesa cibernética. Mas, Python é ótimo para você fazer scripts que exploram vulnerabilidades, claro, tudo isso em um ambiente controlado, sem fins maliciosos, até porque isso seria crime. Utilizo mais para fins didáticos, para saber como funciona a exploração de uma vulnerabilidade.
Python é ótimo para desenvolver scripts de segurança, seja para exploração, reconhecimento ou defesa. No meu trabalho e estudos pessoais, também uso Python para simular redes. Não é fácil, claro, mas também se você souber, será algo que ajudará muito na sua carreira.
Desafios e Inclusão
5. Desafios Relacionados à Deficiência Visual
MASEC: Como você lida com os desafios diários no campo da tecnologia sendo uma pessoa com deficiência visual total?
Juan: Esse é o tópico que mais gosto: desafios e inclusão relacionados à deficiência visual. Às vezes, é complicado porque existem muitos obstáculos em certas ferramentas, eventos e bootcamps. Até mesmo na faculdade, torna-se difícil acessibilizar o conteúdo para que eu possa acompanhar. Se eu fosse dar uma nota para a acessibilidade na área da tecnologia, seria 60 de 100.
Faculdade, por exemplo, envolve uso de muitas imagens, e eu preciso usar aplicativos de reconhecimento de imagens o tempo todo. Na segurança da informação, algumas soluções não são acessíveis. Alguns softwares corporativos, não estão bem otimizados para a acessibilidade, para os leitores de tela.
Meus desafios são muitos, e a cada dia enfrento um novo quando trabalho com uma tecnologia nova, seja um framework, uma aplicação ou até mesmo um jogo – aliás, jogar videogame é uma das maiores dificuldades para mim, que sou fã desse hobby. Na tecnologia, enfrentamos desafios, mas muitos podem ser contornados, seja por soluções open source, pagas, ou até por ferramentas simples que eu mesmo desenvolvo.
MASEC: Quais adaptações ou tecnologias assistivas você utiliza para realizar suas tarefas de forma eficiente?
Juan: Para realizar tarefas no computador e no celular, eu uso o leitor de tela chamado NVDA (NonVisual Desktop Access) no computador. Ele é de código aberto, desenvolvido em Python, e é o leitor de tela mais famoso do mundo. Funciona apenas no Windows, mas permite acessar praticamente tudo, com exceção de algumas linguagens de programação ou aplicativos que, dependendo de como o código foi desenvolvido, podem não ser totalmente acessíveis. Por exemplo, se o desenvolvedor usa muitas imagens sem rótulos, fica difícil para o NVDA ler.
No celular, eu utilizo o Jieshuo, um leitor de tela baseado no Google TalkBack. Ele foi desenvolvido por um programador chinês, também é de código aberto, e oferece uma infinidade de funções – desde a leitura de legendas até a descrição de imagens utilizando inteligência artificial. Acredito que, tecnologicamente falando, ele está até mais avançado do que os leitores de tela para computador.
Outra tecnologia que uso é o Be My Eyes (Seja Meus Olhos), um aplicativo que descreve imagens para pessoas com deficiência visual, incluindo detalhes como cores, aparência de pessoas, objetos e cenas em geral. Também utilizo o PiccyBot, um aplicativo que descreve vídeos. Ele faz a leitura do vídeo e descreve tudo o que está acontecendo, embora não em tempo real, mas de forma bastante precisa.
E, claro, eu também utilizo o ChatGPT para facilitar algumas tarefas, tornar conteúdos mais acessíveis e para resolver outras questões específicas no meu dia a dia.
MASEC: Como você usa o computador e o smartphone?
Juan: Como mencionei, uso o computador com o leitor de tela NVDA. Uso apenas o teclado – não utilizo o mouse. As pessoas costumam achar que nós, deficientes visuais, deixamos a tela escura, mas não é necessário. Deixo a tela escura apenas no Android para economizar bateria. No computador, navego usando o teclado, com teclas como Tab, setas direcionais e atalhos como Windows + R e Windows + M. O próprio NVDA possui teclas de atalho específicas, o que torna o uso do teclado muito mais prático para mim do que o mouse. Não que seja impossível usar o mouse, mas minha produtividade cairia drasticamente, talvez em 100%.
No celular, uso o Jieshuo, um leitor de tela de código aberto, que acredito ser desenvolvido em linguagem de programação Lua. Ele é até mais acessível do que os leitores de tela para computador. Muitas coisas que não funcionam bem no PC são totalmente acessíveis no Android graças a esse leitor.
No Android, utilizo gestos para navegar: deslizo para cima ou para baixo, para a esquerda ou para a direita, e dou dois toques para selecionar uma opção. Por exemplo, no WhatsApp, para gravar um áudio, dou dois toques e seguro, enquanto quem enxerga geralmente dá apenas um toque. Isso evita que acionemos algo acidentalmente. Também exploramos a tela até encontrar o item desejado, ou, se já soubermos a posição do botão, podemos clicar diretamente.
Outra coisa é que no Smartphone, no Android, iOS, digitar é um pouco mais lento, pois o teclado não é adaptado especificamente para deficientes visuais. É um teclado comum, semelhante aos demais. Uso o Gboard, do Google, que tem funções úteis como tradução, e prefiro digitar com um toque só, porque no teclado é diferente. Quem já estiver acostumado com a posição das letras, digita com um toque. Embora seja possível digitar com dois toques, como fazemos ao selecionar opções no celular, com um toque a digitação é muito mais rápida para mim. Eu já estou acostumado assim.
6. Inclusão no Mercado de Trabalho
MASEC: Como foi sua experiência em conseguir uma posição no mercado de trabalho como pessoa com deficiência visual? O que você acha que poderia ser feito para melhorar a inclusão de pessoas com deficiência nesse setor?
Juan: Minha experiência foi péssima desde o início. Nunca consegui um emprego de forma convencional, como aplicando currículos para vagas no Gupy, LinkedIn ou qualquer outra plataforma. Infelizmente, as pessoas subestimam nossas habilidades e acham que, por sermos deficientes visuais, não seremos capazes de executar as tarefas, o que é um equívoco. Uma pessoa com deficiência visual é como qualquer outra – apenas não enxerga. Ela tem mãos, pernas, braços e consegue fazer as coisas.
Muitos deficientes visuais são profissionais sêniores, MVPs (Most Valuable Professionals), extremamente competentes, até mais do que muitas pessoas que enxergam – e isso sem desmerecer quem tem visão. Mas há uma tendência natural em desvalorizar as pessoas com deficiência, não sei se por preconceito ou por achar que não somos capazes. Isso leva a uma rejeição nas vagas de emprego, e não é algo exclusivo dos deficientes visuais, embora eu acredite que sofremos isso com mais frequência.
Nunca consegui emprego de forma convencional. O trabalho em que estou hoje consegui graças à Semearhis, uma empresa que ajuda pessoas com deficiência a entrar no mercado de trabalho. Eles pegam seu currículo, enviam para empresas que buscam um perfil como o seu, fazem o "match", e veem se você se encaixa na vaga. Isso torna o processo mais fácil, porque eles focam nas suas habilidades. Foi assim que consegui meu emprego na Metadados, e recomendo a Semearhis para outras pessoas com deficiência. Eles marcam a entrevista e avaliam suas competências, não contratam apenas por conta da deficiência.
Infelizmente, muitas empresas contratam pessoas com deficiência apenas para cumprir a cota, e isso é ridículo. Não gosto dessa abordagem. Quero ser contratado pela minha competência, minha habilidade. Mesmo trabalhando, continuo enviando currículos para ver o que acontece. Já me inscrevi em mais de 500 vagas até hoje. Tenho esses dados, essas estatísticas. Nelas todas, nunca fui chamado para uma entrevista, mesmo passando da triagem de currículo. Isso é um desrespeito com pessoas com deficiência.
O que pode ser feito para melhorar a inclusão de pessoas com deficiência visual no setor? Acho que as empresas precisam ter uma comunicação mais clara, uma abordagem mais humana, ao recusar alguém em um processo seletivo, explicando o que podemos melhorar. Isso não acontece. Nunca! As empresas também devem buscar pessoas qualificadas, não apenas preencher cotas para parecerem inclusivas. As empresas não se preocupam em fazer adaptações básicas, como colocar descrições em imagens ou disponibilizar conteúdo em Libras nos sites. Acho isso um absurdo. Em 2024, século XXI, com a tecnologia tão avançada, é inadmissível que essas questões ainda sejam ignoradas.
Mas, se as próprias pessoas com deficiência não exigirem seus direitos, nada poderá ser feito.
Perspectivas e Futuro
7. Planos de Carreira
MASEC: Quais são seus objetivos de longo prazo na área de segurança cibernética?
Juan: Meus objetivos de carreira incluem me tornar um profissional sênior e alguém reconhecido, com um nome de peso na área de segurança, onde minhas opiniões sejam valorizadas. Quero ajudar pessoas que estão começando na área, especialmente mulheres, pois vejo um déficit de profissionais do gênero feminino em segurança cibernética. Embora existam mulheres na área, ainda são poucas em comparação aos homens, e eu gostaria muito de ver pessoas talentosas, seja de ambos os gêneros, e poder ajudá-las com o meu conhecimento.
Planejo me tornar um sênior ou até um master em segurança da informação. No próximo ano, em junho, termino minha graduação em Defesa Cibernética, e eu planejo, como disse, me tornar uma pessoa de peso. E depois disso, pretendo fazer pós-graduações e MBAs, todos focados em segurança da informação. Quero poder conversar de igual para igual com pessoas que já estão há cinco, dez anos na carreira, e vejo um futuro promissor. Também pretendo obter certificações importantes, como a CompTIA Security+ e outras que são muito recomendadas no mercado. Nada poderá me parar, nem minha deficiência.
8. Contribuição e Impacto
MASEC: Como você vê o impacto do seu trabalho na Metadados e na comunidade de segurança da informação em geral?
Juan: Acredito que minha contribuição na Metadados tem sido significativa. À medida que vou crescendo e demonstrando minhas habilidades, sinto que posso trazer novos aprendizados e conhecimentos para a empresa. Conforme desenvolvo scripts, posso melhorar a automação do nosso time de Help Desk. Na comunidade de segurança como um todo, vejo que meus repositórios, scripts e conselhos podem ser úteis para outras pessoas, seja para quem já está na área ou quem está apenas começando.
MASEC: Que conselhos você daria para outros profissionais com deficiência visual, que estão interessados em seguir uma carreira em tecnologia?
Juan: Não acho que a faculdade seja 100% essencial para todas as carreiras em tecnologia, mas no Brasil, ter um diploma faz muita diferença. A faculdade oferece uma base importante e facilita a inserção no mercado. Acredito que vale a pena fazer uma faculdade, mas, se preferir, cursos livres também são uma boa alternativa. No entanto, saiba que algumas vagas vão exigir um diploma de graduação ou pós-graduação como pré-requisito.
Meu conselho é: procure uma boa faculdade que ofereça acessibilidade, onde você se sinta acolhido, não só para receber o diploma, mas tenha condições de adquirir conhecimento de forma acessível. Muitos conteúdos hoje, na programação ou em tecnologia, apresentam muitos gráficos e pouco texto, o que dificulta para quem tem deficiência visual. Não é porque temos ferramentas que descrevem imagens que os humanos não podem facilitar nosso trabalho. Quanto mais acessível, melhor.
Faça cursos livres também. Não dependa apenas da faculdade, pois você pode perder muito conhecimento valioso de professores e instrutores de alto padrão em cursos especializados. Tire certificações também. Fique atento ao LinkedIn, crie um perfil, poste sobre seus conhecimentos e conecte-se com outros profissionais. Você pode encontrar exames de certificação grátis, vouchers de desconto e várias oportunidades de emprego.
Recomendo também que você se conecte com outros profissionais com deficiência na área. Se você não domina inglês, pode encontrar cursos em texto ou em vídeo com legendas. Os cursos de cibersegurança da Coursera são ótimos, e você pode usar as transcrições para acompanhar.
Por fim, creio que humildade, perseverança, nunca desistir, é a chave, porque você sempre encontrará obstáculos, seja de forma teórica, seja em uma ferramenta, seja de forma prática, seja na vida real. O importante é não desistir, porque se você desistir significa que você quer fracassar. E não é isso que eu, como profissional, quero ver de vocês, novos, que estão entrando nas áreas de tecnologia. Quero ver vocês lá no topo, igual a mim, igual eu vou chegar, igual estarei um dia. E eu quero mostrar que a minha lição de vida, os meus conhecimentos, foram todos adquiridos através do estudo, através da perseverança. A gente diz que o brasileiro nunca desiste e... bem, eu acredito que isso é verdade.
Conclusão
À medida que concluímos esta entrevista, fica claro que a trajetória de Juan Mathews Rebello Santos é um testemunho poderoso de como a paixão, o conhecimento e a perseverança podem abrir caminhos, mesmo nas circunstâncias mais desafiadoras. Sua experiência em cibersegurança, aliada à sua capacidade de adaptação e inovação, oferece lições valiosas para qualquer profissional que deseja se destacar nesse campo.
Juan nos mostrou que as barreiras, sejam físicas ou tecnológicas, podem ser superadas com determinação e dedicação. Ele não apenas enfrentou esses desafios, mas também os transformou em uma plataforma para o sucesso. Que essa entrevista sirva como um lembrete de que o verdadeiro diferencial em nossas carreiras está na maneira como enfrentamos as adversidades e buscamos continuamente o aprimoramento.
Agradecemos a Juan por compartilhar sua história e suas percepções conosco. Que suas palavras inspirem muitos outros a perseguirem suas metas com coragem e a nunca desistirem diante das dificuldades. No Mafra Security, acreditamos ser esse espírito que define os grandes profissionais da cibersegurança.
Fique de olho nas outras publicações. Lembrou-se de alguém ao ler esta entrevista? Compartilhe!
Anotações da entrevista:
AlienVault Unified Security Management. https://www.software.com.br/p/alienvault-unified-security-management
Automidia é a atual Requestia. https://www.requestia.com/
Be My Eyes. https://www.bemyeyes.com/language/portuguese-brazil
CrowdStrike. https://www.crowdstrike.com.br/produtos/seguranca-de-endpoints/falcon-prevent-antivirus/
Elastic. Monitoramento de log. https://www.elastic.co/pt/observability/log-monitoring
Honeypot. https://www.kaspersky.com.br/resource-center/threats/what-is-a-honeypot
Indicadores de Comprometimento (IOCs). https://www.fortinet.com/br/resources/cyberglossary/indicators-of-compromise
Leitor de tela NVDA — NonVisual Desktop Access. https://www.tcees.tc.br/acessibilidade/leitor-de-tela-nvda/
Metasploit Framework. https://www.metasploit.com/
MIST. Política de Privacidade. https://www.mist.com.br/politica-de-privacidade
MITRE ATT&CK. IBM. https://www.ibm.com/br-pt/topics/mitre-attack
Semearhis. Relacionamento Humano, especializada na inclusão assertiva de PcD. https://semearhis.com.br/
Splunk: Monitorando em tempo real os elementos da TI. DevMedia. Wagner, 2013. https://www.devmedia.com.br/splunk-monitorando-em-tempo-real-os-elementos-da-ti-parte-2-revista-infra-magazine-11/27897
TeamViewer — O software de conectividade remota. https://www.teamviewer.com/pt-br/
VirusTotal. https://www.virustotal.com/gui/home/upload
Wazuh. Sistema de Gerenciamento de Informações de Segurança de Eventos (SIEM) de código aberto. https://w3cybersec.com/wazuh-siem
Sobre o entrevistado:
Juan Mathews Rebello Santos
LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/juan-mathews-rebello-santos-/
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